Por Jonas Muniz de Almeida* – Nos últimos anos, o mundo empresarial testemunhou uma crescente conscientização sobre a importância das práticas ambientais, sociais e de governança (Environmental, Social and Governance – ESG) na condução dos negócios. O conceito de ESG, que abrange esses aspectos, foi estabelecido em 2004, no relatório “Who Cares Wins”, como resultado de uma iniciativa liderada pela ONU, bem como de uma provocação do seu secretário-geral, à época, Kofi Annan a cinquenta CEOs de grandes instituições financeiras sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.
As práticas ESG são de suma importância, especialmente no que diz respeito ao pilar “Governança” do tripé apresentado anteriormente, onde a governança corporativa – definida como o conjunto de normas e instrumentos relacionados à administração e fiscalização societária, visando promover transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa (IBGC, 2023) – desempenha, pois, um papel fundamental da gestão empresarial.
Nesse contexto as práticas ESG, em especial a sua vertical governança, se relacionam com o conceito de cadeia de suprimentos, compreendido como rede que uma empresa desenvolve com os seus fornecedores para distribuir e produzir produtos e/ou serviços, haja vista que uma melhor gestão junto aos fornecedores, terceiros e todos os que se participam do processo produtivo da companhia, inevitavelmente, reduz os riscos e gera um ambiente de trabalho ético e sustentável.
Internacionalmente o tema é relevante, uma vez que em setembro de 2015, representantes dos 193 Estados-membros da ONU – incluindo o Brasil – se comprometeram a adotar medidas para promover o desenvolvimento sustentável através do documento “Transformando o nosso mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
Com isso, a chamada “Agenda 2030” é um plano de ações que visam promover a inclusão social, o desenvolvimento sustentável e a governança democrática em todo o mundo entre os anos de 2015 e 2030, por meio de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O documento traz metas claras para que os países adotem conforme suas principais necessidades e atuem com um espírito de parceria global.
O enfoque da governança corporativa correlaciona-se aos objetivos de número 8, 9 e 16, sendo eles respectivamente: Trabalho decente e crescimento econômico; Indústria, inovação e infraestrutura; e Paz, justiça e instituições eficazes.
Internamente, ainda não possuímos uma certificação única sobre todas as práticas ESG, contudo, a existência de divulgação e transparência nas informações das companhias são condições indispensáveis para empresas que figuram na bolsa de valores brasileira Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”).
Mesmo com todas as exigências mencionadas, em março de 2023, uma denúncia emergida ao público, na qual a empresa Time For Fun (SHOW3), listada na bolsa e pertencente ao Índice de Governança Corporativa – Novo Mercado (IGC-NM B3), recebeu cinco acusações de que submeteu pessoas a condições análogas à escravidão na montagem do Festival Lollapalooza [1], através de uma empresa de sua cadeia de suprimentos, que oferecia a mão-de-obra terceira à empresa listada na B3 mencionada alhures.
O episódio mencionado, não se trata de um caso isolado, somando-se aos inúmeros outros casos que redundam no alarmante número de 3.190 pessoas resgatadas em condições análogas à escravidão no ano de 2023, número este que foi o maior registrado no país desde o ano de 2009.
Destarte, um dos principais desafios enfrentados pelas empresas na gestão de suas cadeias de suprimentos é o risco de envolvimento em práticas inadequadas, como os casos de trabalho análogo à escravidão.
Em muitos casos, essas práticas prejudiciais ocorrem em fornecedores terceirizados ou em empresas que compõem a rede de suprimentos indiretos, conforme mencionado pelos casos de 2023, mas também sendo a causa semelhante de outros casos de empresas também listadas na B3. No entanto, as empresas tomadoras do serviço são cada vez mais responsabilizadas por tais violações, não apenas moralmente, mas também legal e financeiramente.
A implementação de estruturas de governança corporativa robustas busca mitigar esses riscos pelas empresas, envolvendo a definição de padrões claros de conduta e ética para todos os envolvidos, incluindo os parceiros da cadeia de suprimentos, juntamente com mecanismos de monitoramento e conformidade. Além disso, as empresas devem estabelecer canais de comunicação eficazes para relatar quaisquer preocupações relacionadas a práticas inadequadas, garantindo que problemas sejam identificados e tratados precocemente.
Ao adotar abordagens proativas para promover a governança corporativa tanto internamente, quanto na cadeia de suprimentos, as companhias não apenas reduzem o risco de associação ao descumprimento de regras mínimas de direitos humanos, mas também fortalecem sua reputação e posicionamento no mercado, haja vista que os consumidores estão cada vez mais atentos às questões ESG e tendem a preferir empresas que demonstram um compromisso genuíno com valores éticos e sustentáveis [2].
Além disso, investidores e acionistas estão integrando considerações ESG em suas decisões de alocação de capital, buscando empresas que sejam socialmente responsáveis – não apenas buscando maximizar os lucros, mas também se preocupando com os impactos de suas operações na sociedade em geral, além de serem sustentáveis e transparentes. Portanto, uma sólida governança corporativa, incluindo a cadeia de suprimentos, não apenas protege a empresa contra passivos financeiros e danos à reputação, mas também pode gerar vantagem competitiva e atrair investimentos.
Para alcançar uma governança corporativa eficaz perante a cadeia de suprimentos, as empresas devem adotar uma abordagem integrada, que abrange desde a seleção criteriosa de parceiros comerciais até o monitoramento contínuo das operações. Isso requer um compromisso firme da alta administração, bem como a colaboração de todas as partes interessadas (stakeholders), incluindo fornecedores, trabalhadores e organizações da sociedade civil.
Assim concluímos que a governança corporativa desempenha um papel central na promoção de práticas ESG das companhias em seu contexto interno, bem como junto às cadeias de suprimentos, ajudando as empresas a evitar passivos financeiros, além de mitigar a exposição de pessoas ao trabalho análogo à escravidão. Ao integrar princípios de transparência, ética e responsabilidade em todas as etapas do processo produtivo, as empresas podem não apenas proteger seus interesses comerciais, mas também contribuir para um mundo mais responsável, justo e sustentável.
*Jonas Muniz de Almeida, Advogado associado no DMS Advogados, atuante em Direito Empresarial e de Compliance Trabalhista, sobretudo no contexto de Startups. Mestrando em Direito e Inovação pela UFJF também é membro da Comissão de Direito das Startups; e Comissão Direito Digital, Proteção de Dados e Propriedade Intelectual da OAB/MG Juiz de Fora.
Fonte: A importância da Governança Corporativa na promoção de práticas ESG