Desenvolvida em parceria por pesquisadores de Brasília, nova abordagem para identificação de marcas invisíveis a olho nu utiliza nanopartículas de prata sintetizadas de plantas. Processo é mais eficaz e não agride a saúde nem o meio ambiente
Na ciência forense, a incorporação de nanomateriais tem potencial de criar equipamentos mais precisos e modernos que auxiliem as investigações criminais. Explorando essa alternativa, uma pesquisa de cientistas brasileiros utilizou nanopartículas de prata (AgNPs) para aprimorar a análise de marcas digitais latentes — vestígios invisíveis a olho nu, compostos por secreções naturais da pele. Segundo os autores, a nova técnica é menos tóxica e mais sustentável em relação aos métodos tradicionais utilizados para identificação humana.
Rodrigo Meneses, principal autor da pesquisa, conta que a ideia do trabalho era desenvolver um método para aplicar, em amostras criminais, uma técnica chamada espectrometria de massa por ionização/dessorção a laser assistida por matriz (Saldi-Tof MS), que analisa biomoléculas e moléculas orgânicas. Na abordagem, a equipe utilizou o extrato da folha de uma planta nativa do Cerrado para obter as nanopartículas de prata a partir da síntese verde — processo para geração de nanomateriais baseado em produtos biodegradáveis.
Pelo método, utiliza-se um extrato vegetal feito de folha, casca, raiz e, às vezes, flores e sementes. “Assim, não submetemos quem está no laboratório a utilizar um solvente químico, um ácido ou algum material tóxico”, observa Meneses, professor de nanociência na Universidade do Distrito Federal (UnDF) e papiloscopista da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).
Além de ser mais seguro que os químicos normalmente usados nos laboratórios, o revelador de digitais sintetizado com materiais orgânicos é uma alternativa mais barata de produção e aplicação em larga escala. “Até plantas exóticas têm sido exploradas para esse tipo de síntese, que é acessível e de baixo custo, além de permitir escalabilidade”, conta Meneses, doutor em anobiotecnologia pela UnB. O trabalho, publicado recentemente na revista Surfaces, foi desenvolvido em uma parceria de pesquisadores da UnDF, Universidade de Brasília (UnB), Universidade Católica de Brasília (UCB), com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da PCDF.
Desempenho
A equipe testou a substância em amostras de digitais latentes de três indivíduos, comparando o desempenho da novidade ao de outros tratamentos. Os resultados mostraram que os nanomateriais detectaram diversos componentes de forma mais eficiente que as alternativas convencionais.
Segundo os autores, por se basear em reação verde, a técnica é mais ecológica, resultando em menor impacto ambiental. “A maioria dos reveladores de impressão digital são produzidos utilizando solventes químicos tóxicos. Dessa forma, o desenvolvimento de novos produtos utilizando a química verde mostra-se ecologicamente vantajoso”, enfatiza Meneses.
O pesquisador também acredita que a solução tecnológica poderá ser explorada em outras áreas, além de ciência forense. “Há muitas possibilidades de aplicações dentro do contexto ambiental. As avaliações de impacto ambiental e de qualidade da água são alguns dos possíveis exemplos”, afirma. Em pesquisas futuras, a equipe deseja realizar mais experimentos da abordagem e explorar outras formas de obtenção reagentes que possam ser utilizadas na espectrometria de massa de impressões digitais latentes.
Diretor da Divisão de Exames Laboratoriais (Divlab do Instituto de Identificação (II) do Departamento de Polícia Técnica (DPT) da PCDF, Marco Antonio Paulino explica que a identificação das marcas digitais latentes é feita, convencionalmente, com o auxílio de reveladores químicos, que permite torná-las visíveis para análise. No entanto, agentes externos podem complicar esse processo. “Alguns fatores relacionados ao tipo de superfícies onde estão essas impressões, podem dificultar a revelação. Por exemplo, pedras e madeiras brutas, alguns tipos de tecidos e a pele humana, podem ser desafiadoras”, exemplifica.
Segundo os autores do estudo, a nova abordagem favorece a detecção de compostos endógenos e exógenos nas marcas digitais invisíveis a olho nu. Na avaliação do papiloscopista, isso poderia facilitar a revelação de evidências para identificação de vítimas e suspeitos em investigações criminais.
Evidências
“Compostos endógenos são substâncias geradas pelo corpo como resultado de processos metabólicos ou genéticos, enquanto os exógenos estão presentes nos dedos e nas mãos a partir do toque em superfícies contaminadas, uso de cosméticos ou qualquer outra substância não produzida pelo organismo. Os químicos presentes nas impressões digitais latentes podem fornecer evidências sobre identidade, estado de saúde, consumo de drogas ou causa da morte, por exemplo. A partir da análise desses materiais, é possível determinar desde a origem genética ou parentesco de uma pessoa até indicar se alguém disparou uma arma de fogo.”
“A detecção de componentes endógenos nas impressões digitais podem indicar características particulares de quem produziu essa impressão”, diz Paulino. “Por exemplo, se o doador da impressão digital ingerir algum tipo de droga, isso poderia ser detectado em um exame. Essa informação é de interesse forense, pois nos ajuda a compreender melhor as características dos vestígios examinados cotidianamente. Assim, poderemos obter revelações com melhor contraste, gerando maior eficiência no processo de identificação dos autores de crimes”, observa.
Fonte: Brasilienses desenvolvem tecnologia forense com prata sintetizada de plantas (correiobraziliense.com.br)
Pelo método, utiliza-se um extrato vegetal feito de folha, casca, raiz e, às vezes, flores e sementes – (crédito: Shutterstock)