Desigualdades no ensino de tecnologias

Entre os principais resultados, chamou a atenção, em especial, a dificuldade das redes que atendem a estudantes de nível socioeconômico (NSE) mais baixo de viabilizar aspectos estruturantes do trabalho pedagógico

Por: Lecticia Maggi – Lançamos recentemente a pesquisa Tecnologias digitais nas escolas municipais do Brasil: cenário e recomendações, que traz um panorama nacional sobre a presença do ensino de tecnologia e computação no currículo dos municípios e quais são as estruturas de apoio ofertadas pelas secretarias de Educação para que esse ensino ocorra.

O estudo é uma parceria entre nós, do Iede, o Centro de Inovação para Educação Brasileira (Cieb), a Fundação Telefônica Vivo e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e envolveu a aplicação de um questionário on-line a todas as redes de ensino do país. Houve grande mobilização e mais de 2.700 municípios participaram, sendo que 1.065 tiveram as respostas consideradas. Esses foram sorteados a partir de um plano amostral, criado para assegurar validade científica à pesquisa.

A pesquisa investigou diversos aspectos relacionados à implementação e ao uso de tecnologias nas redes de ensino, como a existência de equipe e de orçamento específicos para a área; organização da secretaria para oferecer apoio pedagógico às escolas; como são realizadas as ações de planejamento e monitoramento de compras de equipamentos, de fornecimento de conectividade e de manutenção; perspectivas futuras em relação à temática etc. Entre os principais resultados, nos chamou a atenção, em especial, a dificuldade das redes que atendem a estudantes de nível socioeconômico (NSE) mais baixo de viabilizar aspectos estruturantes do trabalho pedagógico.

Nesse sentido, merece destaque o alto percentual de municípios que ainda não têm o ensino de tecnologia e computação presente no currículo dos anos iniciais do ensino fundamental: 30% entre aqueles cujos alunos são majoritariamente de NSE mais baixo ante 15% dos que atendem a alunos de NSE mais alto. A oferta de formação continuada aos professores sobre tecnologia é outra questão investigada que apresenta grande desigualdade conforme o perfil da rede de ensino: quase metade (49%) das que atendem a estudantes de baixo NSE não disponibilizam formações aos docentes na temática, índice que cai para 32% entre as redes cujo estudantes são de NSE mais alto.

Esses números preocupam, pois diversos estudos indicam uma forte correlação entre o nível socioeconômico dos estudantes e os resultados educacionais obtidos por eles. Isso porque, em geral, eles têm menos acesso a bens culturais como livros, ou mesmo a oportunidade de frequentar espaços como cinemas, teatros e exposições. Em alguns casos, recebem menos apoio e incentivo dos pais ou responsáveis para estudar. Por isso, é fundamental que as unidades de ensino que os atendam sejam as mais atrativas possíveis para compensar os fatores sobre os quais não têm ingerência. Já ouviu falar sobre colocar os melhores professores para lecionar aos alunos que mais precisam? É essa a lógica. Os alunos mais vulneráveis são, em tese, os que poderiam tirar melhor proveito de um uso qualificado de tecnologia no ambiente escolar.

O estudo também evidenciou desigualdades importantes entre as redes de ensino de capitais e as demais. Um dos aspectos analisados em que essa diferença é mais substancial é em relação à existência (ou não) de equipes e profissionais dedicados ao planejamento e à implementação de tecnologias digitais nas escolas. Enquanto 11% — três das 27 — capitais admitiram não ter uma equipe específica para essas ações, o número sobe para 73% entre as redes municipais de maneira geral. Além disso, 55% delas disseram não existir outros profissionais na estrutura organizacional da prefeitura de­dicados à temática. Nas capitais, mesmo as três que não têm equipes específicas, afirmaram existir outros profissionais incumbidos da função.

Esses achados precisam ser investigados mais a fundo em outros estudos, em especial qualitativos, que se debrucem em entender melhor as razões das desigualdades. Elas são ocasionadas, principalmente, pela falta de estrutura financeira e gerencial de redes de ensino menores ou há outras questões envolvidas, como uma visão de considerar a tecnologia um tema menos prioritário diante das outras urgências que a Secretaria de Educação tem? Há como as secretarias que possuem melhor estrutura organizacional e técnica contribuírem com as redes que se encontram numa situação mais desafiadora, apoiando-as na implementação, monitoramento e utilização de tecnologias digitais? Como em todas as áreas em educação, não há soluções mágicas ou rápidas.

Mas refletir sobre esses desafios e buscar maneiras de endereçá-los é fundamental e urgente, visto que o grande objetivo é que a tecnologia possa potencializar os processos de ensino e de aprendizagem, em especial, dos estudantes que têm menos suporte e acesso a recursos educacionais fora do ambiente escolar. E não que seja mais um mecanismo para perpetuar as já complexas desigualdades da educação brasileira.

ERNESTO MARTINS FARIA, diretor-fundador do Centro de Pesquisas Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede)

LECTICIA MAGGI, gerente de comunicação no Iede

Fonte: Artigo: Desigualdades no ensino de tecnologias (correiobraziliense.com.br)
(crédito: kleber sales)

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