Por Jeovani Salomão* – Desde que li os primeiros livros de Anthony Robbins, comecei a acreditar que vemos a realidade de acordo com as nossas crenças. Construímos nossos próprios filtros, adicionando às nossas convicções, o momento, o estado de espírito, os sentimentos, os desejos e, inclusive, as conveniências. A interpretação do mundo é particular, personalíssima, única, mesmo para os fatos mais singelos. É evidente que há convergências, afinal somos parte de culturas, de grupos, de guetos, de tribos, mas deveria ser ainda mais evidente que existem divergências, algumas gigantes, afinal somos quase 8 bilhões.
Por inúmeras razões, – geopolíticas, comerciais, sociais, amorosas -, a humanidade, de uma forma geral, sempre se produziu para vender uma imagem favorável de si própria. As nações e as organizações, com instrumentos diversos, tanto quanto as pessoas, se maquilam para parecem mais bonitas. No mundo real, existem limitações difíceis de serem superadas. Por exemplo, nem com todo marketing, mesmo gastando mais de 1 trilhão de reais para comprar e realizar a Copa de 2022, o Qatar vai convencer, pelo menos aqueles que possuem um mínimo de discernimento, que é um país inclusivo e respeitador do seu povo e da diversidade mundial. Nesta linha, veja a máscara da Rússia que caiu após a imperdoável guerra contra a Ucrânia, mesmo tendo se valido da mesma estratégia do Emirado, com a realização da Copa de 2018, no intuito de se mostrar boazinha para o mundo.
No campo pessoal, ocorre o mesmo. Difícil esconder ou descaracterizar alguns atributos físicos, mesmo com a grande habilidade presente nos maquiadores. Ainda que uma pessoa de 60 anos, vivendo hoje, pareça muito mais jovem do que uma com a mesma idade do século anterior, é extremamente complicado para ela fingir ter 40, já tendo completado 6 décadas. Vinte anos constitui uma barreira quase instransponível sob o aspecto da aparência.
Tais limitações, no entanto, especialmente ao se tratar do visual, desaparecem nas redes sociais. Os filtros, termo utilizado agora com um significado ligeiramente distinto do parágrafo inicial, são campeões em manipular as luzes, os tons, as silhuetas, as rugas, a altura, enfim, todo o necessário para apresentar o protagonista como uma verdadeira obra de arte. Sem contar, é claro, que a vida é muito mais feliz nos posts. Eu sei que alguns amigos e amigas não vão gostar, mas eu estava lá em momentos que não eram tão maravilhosos quanto apareceram no Instagram.
Ocorre que a tentação é grande em demasia, afinal cada qual busca algo cuja conquista pode ser influenciada pela imagem produzida. Seja um novo relacionamento, a manutenção ou a promoção de um status-quo, um posicionamento social, a melhoria de autoestima própria, a construção de uma marca pessoal ou de autoridade em um tema, para finalidades múltiplas. Daí, transmitir algo mais elaborado, mesmo que não seja exatamente a expressão da realidade, se torna irresistível.
Agora, imagine se tal produção pudesse ter efeito ainda mais poderoso. É justamente o que o futuro nos reserva. Ao invés de encontros pessoais – aqui abrangendo desde reuniões, atendimentos, conferências, vendas e outros objetivos corporativos, até festas, shows e qualquer atividade lúdica -, o Metaverso proporcionará encontros virtuais, e, então, poderemos nos apresentar por meio do nosso Avatar, cuidadosamente desenvolvido de maneira prévia. O molde inicial da aparência pessoal não será obrigatoriamente o ponto de partida (ou seja, este “empecilho”, para muitos, será facilmente abandonado), a criação se tornará mais livre. Os limites do nosso corpo serão rompidos, assim como os relativos à distância e as linguagens. A imaginação prevalecerá, mas sem menosprezar outros fatores relevantes, como a capacidade econômica do usuário (será necessário comprar muita coisa para se transvestir adequadamente) ou o talento para manipular a tecnologia.
Na construção das aparições perfeitas, a inteligência artificial terá papel fundamental, uma vez que nem todos nascem com o dom de criar personagens, climas e cenários ideias. Softwares assistentes receberão e transformarão desejos em uma “realidade” ficcional. Paralelamente, a virtualização corporativa ocorrerá, marcas físicas vão se virtualizar (atualmente algumas já possuem produtos criados especificamente para universos digitais) e novas vão surgir. Tudo isso acontecendo em uma velocidade estonteante. Ou seja, o sonho de uma representação ideal do “eu” poderá ser realizado, tanto quanto um disfarce bem manipulado para esconder eventuais pequenos defeitos.
Já tive diversos debates sobre a migração da vida social para o Metaverso, e, incrivelmente, mesmo aquelas pessoas que são mais resistentes, gastam cada vez mais horas no Instagram (e outras mídias sociais), promovendo a si próprias, a defesa de suas causas, dos seus ideais, tratando de compartilhar e “vender” suas filosofias de vida. Mesmo estas, resistentes em relação à mudança, deixam, vez por outra, conversas presenciais “no vácuo” enquanto, sem perceber, se dedicam aos seus smartphones.
A internet, em sua concepção mais ampla, pode se transformar no ópio da vida moderna. Inclusive, há quem diga que já o é. Quem gosta de história sabe o quanto os ingleses se utilizaram da droga para invadir comercialmente a China. Os efeitos do consumo, em função da dependência física causada, foram devastadores para a sociedade chinesa, que por duas vezes tentou bloquear a prática britânica, sem sucesso, nas conhecidas Guerras do Ópio.
Atualmente, o papel de país colonizador é exercido pelas gigantes da tecnologia. Estas também, pelo menos até agora, estão mais preocupadas com o lucro do que com o benefício do usuário. Estamos indo para o Metaverso de maneira irremediável, mas precisamos tomar consciência disto, evitando que os colonizadores modernos apenas explorem sem escrúpulos as suas colônias (eu e você!!!!).
*Jeovani Salmão é presidente da Memora Processos Inovadores, membro do conselho na Oraex Cloud Consulting e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.
Fonte: capitaldigital – Ei, Metaverso, estamos indo, viu?!?!?