Apesar da escassez de normas específicas sobre a segurança e saúde do trabalho no regime de home office, muitas empresas sofrem constantes autuações do Ministério do Trabalho e Emprego e condenações pelos Tribunais Regionais do Trabalho por, supostamente, não garantirem um meio ambiente saudável aos funcionários nesse regime.
Nesse sentido, nota técnica do Ministério Público do Trabalho de novembro de 2023 afirma que o direito a um meio ambiente saudável para trabalhadores que atuam em home office ou trabalho plataformizado depende de condutas proativas de empregadores e das empresas proprietárias de plataformas digitais para ser implementado, independentemente do questionamento quanto à natureza jurídica de tais vínculos.
Apesar do debate acerca do home office ser recente, tendo sido ampliado a partir da pandemia da Covid-19, a CLT já previa o trabalho remoto no artigo 75-B, inserido pela reforma trabalhista em 2017. De acordo com a norma, entende-se por teletrabalho “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador”, por meio do uso de meios tecnológicos de comunicação que não se constituam como trabalho externo.
Além disso, o artigo 6º da CLT dispõe que o labor exercido no domicílio do funcionário ou à distância daquele realizado no estabelecimento do empregador não se distinguem.
Responsabilização
O cerne da questão se dá, especificamente, sobre a possibilidade de responsabilizar o empregador em casos de acidentes de trabalho ou doenças adquiridas pelos empregados no regime do teletrabalho.
Isso porque, apesar de ser obrigação das empresas não somente orientar os colaboradores quanto ao uso de equipamentos de segurança e ergonomia, o empregador também deve fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, conforme o artigo 157 da CLT. Além disso, o artigo 75-E atribui ao empregador a obrigação de “instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”.
Lacunas
Em que pese a legislação atribuir ao empregador o dever e a obrigação de zelar pela segurança e ergonomia do trabalho exercido pelos funcionários, seja em labor presencial ou remoto, o regramento legal brasileiro ainda possui muitas lacunas sobre como as empresas devem atuar e fiscalizar o ambiente de trabalho nos casos de teletrabalho/home office.
A Lei nº 14.442, por exemplo, de setembro de 2022, regulamentou o teletrabalho, mas não fez menção às questões de segurança e saúde do trabalho nesta modalidade.
Pouco antes, em outubro de 2021, ainda durante a pandemia, a norma regulamentadora NR-17, que dispõe sobre parâmetros de ergonomia e segurança do trabalho, foi atualizada, mas não trouxe disposição sobre a forma de fiscalização das questões de saúde e segurança do trabalho no teletrabalho, o que demonstra, mais uma vez, a falta de previsão legal do ordenamento brasileiro sobre este tema.
Nesse contexto, ao mesmo tempo que a Constituição, em seu artigo 5º, inciso XI, consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, em seus artigos 7º e 225, determina que é obrigação do empregador garantir um ambiente de trabalho sadio e seguro aos funcionários.
Precedente
Neste ponto, é válido pontuar recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que negou pedido de funcionário para concessão de benefício acidentário, tendo em vista que ele laborava em regime de teletrabalho.
O autor alegava que sofreu acidente em razão de uma queda de própria altura, lesionando o punho e desencadeando a redução parcial de sua capacidade de trabalho.
A decisão ponderou que “a legislação acidentária, pelo menos quanto ao acidente típico, não protege a atividade desenvolvida em home office” e pontuou que, apesar de ser obrigação do empregador implementar medidas de prevenção de acidentes e de segurança do trabalho, ele não possui controle sobre ambientes de teletrabalho.
A decisão é apenas um exemplo das ponderações do próprio Judiciário no que tange às lacunas existentes na legislação brasileira, sendo certo que condenar empregadores à responsabilização de situações como essa, sem fundamentação jurídica, seria um retrocesso à aplicação do Direito.
Projeto de lei
É evidente que o assunto deve ser objeto de debates não só no âmbito judiciário, mas também no legislativo, em razão das grandes dúvidas acerca da prevenção e fiscalização das questões atinentes à medicina e segurança do trabalho neste cenário.
Neste ponto, destaca-se o PL nº 5581/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê alterações na CLT relacionadas ao teletrabalho.
Além de determinar diversas medidas para prevenção da saúde física e mental dos colaboradores em home office, o PL obriga o empregador a realizar avaliação do local de trabalho, ou seja, o domicílio dos seus funcionários, desde que haja consentimento expresso daquele, e eximindo o empregador de responsabilização quando o trabalhador recusar a vistoria.
O PL cria, ainda, o Domicílio Eletrônico Trabalhista, a fim de que haja uma cientificação do empregador de atos administrativos e ações fiscais em seu desfavor, além de possibilitar o recebimento de documentação fornecida pelas empresas ou apresentação de defesa em casos de fiscalização.
Apesar de o PL estar em tramitação em regime prioritário, não há previsão para apreciação em plenário, encontrando-se no aguardo de parecer do relator na Comissão de Trabalho (CTrab) da Câmara. Assim, o tema segue gerando incerteza até que haja uma regulamentação específica sobre a matéria.
Fonte: Falta de lei sobre segurança do trabalho e home office gera insegurança jurídica (conjur.com.br)