Em primeiro lugar, a cada 4 anos, praticamente o mesmo projeto tem sido insistentemente apresentado, com poucas alterações. A tônica é sempre a união de tributos federais, estadual e municipal sobre “consumo” em um tributo “nacional”. Como sempre, ergue-se forte polêmica acerca de impactos no sistema federativo brasileiro, da resultante redistribuição de receitas entre os entes federados e da forte alteração na incidência das respectivas cargas tributárias entre setores econômicos.
Em segundo lugar, a falta de diálogo com os contribuintes, pessoas e empresas, tem sido uma constante. Em geral, uma única proposta, usualmente patrocinada por indivíduos ou grupos de interesse, é endossada por políticos e torna-se hegemônica, assumindo ares de uma bala de prata. No entanto, via de regra, falta-lhe neutralidade, favorecendo determinados setores e prejudicando fortemente outros.
Infelizmente estamos revivendo neste momento o mesmo ciclo de frustrações. Contudo, uma variável se modificou nestes últimos dois anos: o empenho em prol do projeto hegemônico de reforma tributária se enraizou na classe política sob a liderança da Câmara dos Deputados.
Se por um lado este ímpeto reformista é positivo, por outro não conta com o apoio majoritário de protagonistas empresariais, acadêmicos e operadores do tema tributário. A discussão que se arrasta desde meados do ano passado e o recente adiamento do prazo para a conclusão dos trabalhos da Comissão Mista atestam os conflitos não resolvidos.
O deslocamento da carga tributária entre setores produtivos tem sido um dos pontos de conflito mais aventados recentemente. A alíquota única universal de 25%, e o fato de os setores mais intensivos em mão de obra não poderem receber créditos do custo do trabalho, implicarão significativos incrementos em sua carga tributária. Por outras razões, também a agropecuária sofreria significativo aumento. A argumentação dos proponentes da PEC 45 indica que são setores alegadamente subtributados e que o método operacional dos tributos sobre valor agregado compensaria a elevação da alíquota nominal do tributo.
Mostramos abaixo que, diferentemente do que tem sido alegado, o setor de serviços não é sub tributado. A tabela 1 mostra o recolhimento global por setores da economia brasileira, onde se vê que os serviços são fortemente onerados relativamente à sua receita bruta.
Nota: o ISS de R$ 62,1bi foi rateado de acordo com as receitas brutas do setor financeiro e do setor de serviços. O ICMS foi ajustado de acordo com dados do Confaz, que distribui a receita entre setores primário, secundário, terciário, transporte, comunicação, comércio, energia, combustíveis etc. Transporte e comunicação estão no setor de serviços. No setor industrial apenas o que o Confaz classifica como setor secundário foi considerado. Se acrescentar energia, combustíveis e outros na indústria a carga total é superior a 15%. A arrecadação total do ICMS foi de R$ 479,3 bi. Este exercício considera R$ 302 bi em razão do exposto acima.
No tocante ao deslocamento da carga tributária em desfavor dos setores de serviços e agropecuário a tabela 2 abaixo mostra o resultado da simulação utilizando a matriz insumo-produto calculada com base na Tabela de Recursos e Usos (TRU) do IBGE de 2017.
Como pode ser observado, nota-se que as atividades ligadas à agricultura, pecuária, comércio, e principalmente serviços terão significativos aumentos de carga tributária a serem repassados aos adquirentes intermediários ou finais. Por outro lado, as atividades industriais, e possivelmente a intermediação financeira (dependendo de como venha a ser tratada na PEC 45) terão expressivas reduções tributárias na composição de seus custos.
Em resumo, os dois setores mais tributados na economia brasileira, nomeadamente os serviços e a agricultura são os dois que sofrerão os maiores deslocamentos de carga com a PEC 45 com aumento em torno de 25% no recolhimento dos tributos objeto daquele projeto.
Vale dizer que o projeto a ser levado ao plenário da Câmara dos Deputados sequer foi apresentado até o momento em que este texto foi redigido. O parecer do relator deverá introduzir importantes alterações no projeto original e, portanto, não deve ser levado à votação sem que a sociedade tenha a oportunidade de conhecê-lo, avaliá-lo e discuti-lo em profundidade.
Nesse sentido, qualquer tentativa de aprová-lo mediante acordo de lideranças partidárias com o governo ainda em 2020 não poderia ter outra descrição que uma punhalada nas costas da contribuinte brasileiro, tornando-o um mero expectador de algo que para ele pode ser questão de sobrevivência.
Autor: Marcos Cintra
Fonte: Poder360