A rapidez do desenvolvimento tecnológico tem testado e desafiado o arcabouço legal brasileiro, segundo advogado
A evolução tecnológica trouxe facilidades e avanços para a sociedade nos últimos anos. Por outro lado, surgiram desafios significativos para a segurança e a privacidade dos usuários na internet, inclusive golpes virtuais, que se tornaram cada vez mais sofisticados com o uso da Inteligência Artificial (IA). A legislação brasileira tem buscado se adaptar a essa nova realidade, mas ainda enfrenta grandes obstáculos.
Os golpes virtuais são tratados pela legislação atual no Brasil sob duas perspectivas principais, segundo o advogado Márcio Augusto Azevedo, do escritório Pinheiro & Mendes Advogados (PMA). Delitos comuns, como difamação, calúnia e estelionato, que já estavam previstos no Código Penal, agora se estendem ao ambiente digital. Para esses crimes, houve apenas uma ampliação do alcance das normas para garantir a responsabilização no âmbito virtual.
Há também os crimes cibernéticos propriamente ditos, que surgiram especificamente no ambiente virtual e que incluem a invasão de computadores e a utilização indevida de dados pessoais, de acordo com o especialista. Para esses delitos, foram necessárias alterações legislativas específicas, conforme promovido pela Lei de Crimes Cibernéticos, que trouxe novos tipos penais ao Código Penal Brasileiro.
Evolução tecnológica
A rapidez do desenvolvimento tecnológico, especialmente com o uso crescente de IA para golpes virtuais, tem testado e desafiado o arcabouço legal brasileiro, diz Márcio. Atualmente, no entanto, não existe uma legislação específica que trate da responsabilização pelo uso indevido da IA.
“Atualmente, no Brasil, crimes cibernéticos que utilizam IA são tratados dentro do escopo das leis gerais sobre direito digital e cibercrimes. Nesse sentido, são aplicados o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o Código Civil e o Código Penal, com as suas devidas atualizações. Embora essas leis sejam aplicáveis e suficientemente abrangentes para cobrir muitos dos novos métodos utilizados por criminosos que empregam IA, a evolução tecnológica e o aumento da sofisticação dos ataques cibernéticos demandam regulamentações mais específicas em um futuro próximo” – Márcio Azevedo.
As discussões em torno de novos marcos regulatórios, como o Projeto de Lei de Regulação da IA, indicam um movimento em direção a uma legislação mais detalhada e específica para lidar com esses desafios emergentes.
Punições
Embora ainda não haja uma legislação específica para crimes envolvendo a IA, a rede mundial de computadores não é um ambiente de impunidade, de acordo com o advogado. As consequências legais para indivíduos ou grupos que cometem golpes virtuais utilizando a ferramenta no Brasil abrangem a responsabilização de natureza civil, criminal e até mesmo administrativa.
“Os praticantes de golpes virtuais utilizando IA podem ser enquadrados no crime de falsidade ideológica (art. 299 do CP) e de estelionato (art. 171 do CP), com a pena máxima aumentada para oito anos no caso de fraude eletrônica e agravada de um a dois terços, se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido fora do território nacional”, afirma.
Já na esfera cível, os indivíduos ou grupos que cometem golpes virtuais utilizando inteligência artificial deverão reparar os danos morais e materiais causados. O advogado destaca que o Código Civil Brasileiro estabelece a obrigação de reparar danos causados a outrem, independentemente do meio ou das ferramentas utilizadas.
“A LGPD criou e deu poderes à Agência Nacional de Proteção de dados (ANPD) para responsabilizar administrativamente indivíduos responsáveis pelo vazamento ou utilização indevida de dados pessoais. Esses usos indiscriminados muitas vezes servem de substrato informacional para aplicação de golpes virtuais, inclusive pela utilização da AI. Portanto, a possibilidade da ANPD em aplicar multas e até interromper a atividade de empresas com conduta abusiva trazem importantes contributos para a responsabilização de criminosos”, avalia.
Desafios
No cenário internacional, países como a China, os Estados Unidos e membros da União Europeia têm adotado abordagens distintas para a regulamentação da IA. A China possui um controle rigoroso da internet e diversas normativas específicas para subconjuntos de IA, enquanto os Estados Unidos buscam criar padrões de segurança e proteção para IA através de atos executivos. A União Europeia, por sua vez, está na vanguarda da regulamentação com o “EU Artificial Intelligence Act”, que classifica os riscos da IA e estabelece práticas proibidas e obrigações de transparência.
Os desafios legais impostos pela evolução da IA são numerosos, na opinião de Márcio. Ele diz que, apesar de a LGPD e o Marco Civil da Internet serem marcos importantes, a legislação deve evoluir para manter-se eficaz diante das inovações tecnológicas, que continuarão a desafiar a legislação, exigindo adaptações contínuas para garantir a segurança e a privacidade dos usuários. O Brasil, embora tenha dado passos importantes, precisa avançar ainda mais para enfrentar os desafios futuros com eficácia.