Entre junho e o início de julho, exportadores da América Latina, incluindo o Brasil, foram surpreendidos com um bloqueio a seus contêineres de produtos frescos no porto espanhol de Algeciras, o principal do mar Mediterrâneo, por causa de aditivos usados em cera para recobrimento de frutas que não são permitidos pelas normas da União Europeia.
Enquanto isso, uma nanoemulsão de cera de carnaúba desenvolvida no Brasil, que atende às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e estende a vida das frutas em prateleira, começava a ser desenvolvida comercialmente em mais de 50 países por uma agtech americana especializada em pós-colheita.
A nanoemulsão forma um filme invisível sobre a fruta, reduzindo a perda de peso. Foi desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Instrumentação, com sede em São Carlos (SP), e pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em uma parceria público-privada com a indústria QGP Tanquimica, que tem expertise na fabricação de ceras.
Segundo o engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Marcos David Ferreira, que iniciou a pesquisa em 2012, a cera é livre de álcool etoxilado, formaldeído (aditivos que causaram o bloqueio das mangas brasileiras) e parafina. Ferreira ressalta que a tecnologia que permite prolongar a vida das frutas tem impacto econômico, social e ambiental, já que evita o desperdício dos alimentos.
“É uma tecnologia muito barata. Um litro dá para recobrir uma tonelada de frutas. As partículas da nanoemulsão são menores que um vírus e formam uma película muito mais fina e translúcida que garante 15 dias de prateleira para as frutas, além de ganhos expressivos no rendimento dos sucos”, diz.
A nanoemulsão representa um avanço tecnológico nas ceras de recobrimento usadas para regular a troca de água e gases (oxigênio e dióxido de carbono) da fruta. A aplicação reduz a perda de peso da fruta durante o armazenamento e, em alguns casos, evita distúrbios fisiológicos pós-colheita, como danos por frio ou rachadura da casca, além de fornecer brilho para melhorar a aparência externa da fruta.
A comercialização no mercado nacional e internacional ficou com a Agrofresh, uma agtech com sede na Philadelfia (EUA), que já oferece várias soluções para prolongar a vida dos alimentos após a colheita. A empresa, no mercado brasileiro desde 2004, foi licenciada e autorizada a usar o selo de tecnologia Embrapa.
Fabiano Coldebella, gerente comercial da AgroFresh Brasil, diz que a agtech apoia produtores, embaladores e varejistas com soluções em toda a cadeia de abastecimento de alimentos para melhorar a qualidade e estender a vida útil de produtos frescos.
A Agrofresh decidiu investir na solução desenvolvida pela Embrapa após avaliar os resultados superiores da nanoemulsão na comparação com outras ceras de recobrimento, visando aumentar seu portfólio com tecnologias patenteadas e parcerias estratégicas. O produto ganhou o nome comercial de TanWax® C18 Nano.
“Este recobrimento à base de plantas fornece uma membrana protetora para reduzir a desidratação, proporcionando excelente preservação do frescor e redução da perda de peso para frutas cítricas e tropicais, como abacate, mamão e manga. As frutas recobertas com esta solução podem ser secadas rapidamente, gerando um benefício de sustentabilidade de menor uso de energia e eficiência operacional de menor custo.”
O gerente ressalta que, além de atender as normas da Anvisa, a nanoemulsão está de acordo com o Anexo III do Regulamento Europeu (CE) nº 1333/2008, que foi usado para barrar as frutas brasileiras em Algeciras em junho, e com o Título 21 CFR da Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos.
A cera, lançada globalmente neste ano, está sendo desenvolvida comercialmente nos 50 países em que a empresa atua, entre eles Espanha, Peru, Chile e EUA. No Brasil, a cera já é usada no pós-colheita de manga e limão. “Com base nos benefícios da Tan Wax, estamos aumentando as nossas vendas de forma consistente nos últimos meses”, disse Coldebella, sem citar números. Ele estima que o mercado global de revestimentos deve aumentar muito nos próximos 5 a 10 anos.
O pesquisador Ferreira acrescenta que os royalties recebidos em modelos de inovação aberta como o da nanoemulsão de cera de carnaúba vão, por enquanto, para a União, mas a Embrapa vem reivindicando que os recursos voltem para as unidades a fim de bancar novas pesquisas.
Fonte: revistagloborural
Nanoemulsão desenvolvida pela Embrapa cria filme invisível sobre frutas para preservá-las (Foto: Pexels/Creative Commons)