A decisão de colaborar com a mediação do processo de tecnologia é uma urgência, para que a educação siga cumprindo seu papel de apoiar o enfrentamento das desigualdades e a garantia de um presente e futuro prósperos para os jovens
POR GABRIEL MEDINA E DANIEL MAGNAVITA – A importância da tecnologia na educação não é um tema recente. Contudo, foi apenas após a pandemia que redes de educação públicas, com algumas exceções, tiveram que se modernizar para responder aos desafios da educação híbrida, constituindo plataformas digitais, ampliando a infraestrutura tecnológica e preparando os profissionais para assegurar aulas remotas. Professores tiveram que se adaptar ao uso de recursos digitais e redes sociais para garantir o acesso à aprendizagem de crianças e jovens brasileiros.
Secretarias de Educação desenvolveram soluções digitais e, em alguns casos, imprimiram material para estudantes sem acesso à internet. Mas a falta de preparação das escolas para o uso da tecnologia, somada às condições desiguais de acesso dos estudantes, causou danos na aprendizagem de milhões de jovens. A falta de acesso à internet atinge 30% das residências no Brasil, segundo a pesquisa TIC Domicílios, do IBGE.
Após o fim da pandemia, o movimento de conexão da educação com a tecnologia sofreu uma desaceleração, e o modelo presencial voltou a imperar, com baixo aproveitamento de recursos digitais e metodologias híbridas de aprendizagem, especialmente quando tratamos da educação básica.
O uso excessivo das redes sociais tem produzido uma corrosão do tecido social global, especialmente no processo de formação e socialização das novas gerações, que apresentam sintomas de adoecimento psíquico e limitações no desenvolvimento de suas competências sociais e emocionais. O uso de dados e informações dos usuários pelas plataformas privadas, que estimulam o consumo e a produção de bolhas de pessoas com interesses semelhantes por meio dos algoritmos, tem colaborado para a proliferação da cultura do ódio e de ideias extremistas.
O Brasil é recordista em tempo de uso da internet; uma pessoa passa, em média, 9 horas e 32 minutos por dia na internet, sendo o país o segundo com mais horas diárias gastas na web em todo o mundo, segundo um levantamento global do provedor Proxyrack. Quando falamos de crianças e jovens, estamos nos referindo a um tempo que poderia ser utilizado para leitura, para experiências sociais presenciais, fundamentais ao desenvolvimento cognitivo e humano.
Por esses motivos, é urgente a retomada do PL 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, que propõe a regulação das plataformas digitais, impondo limites à sua operação e exigindo mecanismos de controle de conteúdos de teor extremista e combate à desinformação.
Recentemente, o Governo Federal lançou o programa Escolas Conectadas, uma iniciativa ambiciosa em parceria com o setor privado, visando expandir a infraestrutura e promover o acesso à internet rápida em mais de 138 mil escolas, a partir de um investimento de R$8,8 bilhões. A proposta prevê oferecer fibra óptica ou conexão via satélite com velocidade de pelo menos 1 Mbps por aluno. A iniciativa é louvável; contudo, é essencial compreender quais serão os conteúdos ofertados e que plataformas serão utilizadas para promover a educação midiática e tecnológica das juventudes, auxiliando numa compreensão crítica do uso da internet, garantindo segurança digital e promoção de saúde mental.
Idealmente, o uso de software livre e recursos educacionais abertos é o caminho mais adequado, mas é pouco provável que consigamos nos livrar das grandes corporações como mediadoras do uso da tecnologia. Como não usar Microsoft e Apple nos computadores, se hoje há um domínio absoluto de suas ferramentas? Como proibir o uso de redes sociais como Instagram e TikTok pelos estudantes? A questão, portanto, é compreender que precisamos equilibrar esses usos e impor limites legais às plataformas, para que sirvam aos interesses públicos e garantam uma aprendizagem que promova autonomia e liberdade.
Nesse cenário, é urgente a criação de plataformas de mediação do desenvolvimento, não apenas aquelas voltadas ao aprendizado das áreas de saber, mas também às voltadas à convivência, ao respeito à diversidade, à participação e à construção de projetos colaborativos para transformar a escola, o bairro, a cidade e o país. A coordenação do Ministério da Educação na articulação entre estes atores e as demais redes estaduais e municipais de educação se faz necessária.
Ainda no campo da tecnologia, é preciso avançar na reflexão sobre o impacto da Inteligência Artificial na educação. Muito se tem falado sobre o conceito, as questões envolvidas na regulamentação da IA, os perigos e as ferramentas. Os participantes, ou atores, que estão decidindo e expondo de forma clara e pública suas intenções, parecem estar mais interessados em questões ligadas à sua fatia no mercado, que já é dominado por poucos, enquanto os governos ainda enfrentam inúmeros desafios em relação à inclusão digital de seus estudantes.
Profissionais de educação continuam tendo suas formações, inicial e continuada, pautadas em um modelo que ignora a existência, a potência e a atratividade das ferramentas digitais como fundamentais para o estabelecimento de uma relação de ensino-aprendizagem efetiva e adequada aos nossos dias.
A IA traz um universo nunca antes vislumbrado de possibilidades de avanços na relação dos estudantes com o conhecimento, nos trazendo reais expectativas de tornar as aprendizagens mais adequadas às múltiplas inteligências que cada um de nós apresenta, de facilitar a rotina maçante e cansativa que ainda faz com que professoras e professores percam seus finais de semana corrigindo provas e elaborando suas sequências didáticas. Esses avanços podem ainda servir como uma alternativa emergencial para o “apagão” de profissionais do magistério que já estamos vivendo nas redes públicas municipais e estaduais.
Para dar passos consistentes em uma relação imprescindível entre educação e tecnologia, governos devem começar a investir na formação docente, que precisa encarar uma mudança que coloque as práticas pedagógicas como prioridade, inclusive as mediadas por tecnologia. Nas escolas, a melhoria da conectividade precisa estar associada à garantia da educação midiática e tecnológica na grade da educação básica, para que o uso da tecnologia seja uma prática segura, responsável e aliada do desenvolvimento humano e social das novas gerações.
A escola é o equipamento público mais importante para a socialização e formação de crianças e jovens, e neste momento histórico, em que tablets, celulares e computadores fazem parte de grande parte do tempo da vida das pessoas, a decisão de colaborar com a mediação do processo de tecnologia é uma urgência, para que a educação siga cumprindo seu papel de apoiar o enfrentamento das desigualdades e a garantia de um presente e futuro prósperos para os jovens.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Fonte: Tecnologia na escola: um passo decisivo para o desenvolvimento das novas gerações – Opinião – CartaCapital
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