Os cachorros da minha rua

Por Jeovani Salomão*  Os episódios envolvendo violações em ambientes virtuais estão se tornando corriqueiros, inclusive aqueles de grande repercussão. Na semana passada, vivemos um ataque de hackers que tiraram do ar os sistemas do Ministério da Saúde e do Conecte SUS, aplicativo responsável por registrar informações sobre os usuários do Sistema Único de Saúde – SUS, em particular, relativas às vacinas

Não há dúvida que tais ações são criminosas e temos uma longa jornada pela frente para reconhecer, combater, tipificar e punir os cibercrimes. Convenhamos, no entanto, que atacar o Ministério da Saúde e atrapalhar a gestão das vacinas é algo de elevada gravidade, uma vez que está em jogo a vida de milhões de pessoas. A ação deveria ser classificada como crime hediondo.

Os casos não se restringem a instituições, embora em geral, pela vultuosidade, tais situações ganhem mais relevância pública. Durante as últimas semanas, quase diariamente, tenho recebido mensagens de pessoas avisando sobre algum tipo de golpe com o uso do WhatsApp. Ora o número da pessoa foi clonado, ora abordam os contatos com um novo número dizendo que houve mudança de celular e passam a pedir dinheiro. Outro golpe aplicado recentemente ocorre nas redes sociais. Os larápios descobrem as senhas e passam a controlar contas de usuários, oferecendo produtos usados, como celulares, a um preço ótimo. Quem cai na armadilha pensa estar comprando algo de um amigo e descobre depois que fez um PIX para um desconhecido. Não se pode negar que os fraudadores possuem um bom grau de criatividade.

Infelizmente, não se trata apenas da criatividade de “batedores de carteira”, a sofisticação é crescente. Há um software israelense, denominado Pegasus, desenvolvido pela empresa NSO, o qual é supostamente vendido tão somente para agências governamentais com o objetivo de combater terroristas e grandes criminosos, capaz de invadir celulares e ter acesso a absolutamente tudo que se passa em seu aparelho. Nada resiste ao malware, fazendo com que seu dispositivo seja um espião perfeito, contra você mesmo, 24 horas por dia. Assustador, não é?

A vida cada vez mais digital nos coloca neste tipo de situação. Somos mais e mais dependentes de registros desmaterializados e transações virtuais. Em 1995, foi lançado o filme “A Rede”, com Sandra Bullock, já antecipando problemas com os quais estamos lidando atualmente. Uma empresa de tecnologia criminosa consegue trocar a identidade da protagonista que passa a ser conhecida pela polícia como drogada, prostituta e ladra. Isto porque a heroína esbarrou por acaso em um arquivo revelador, cujo conteúdo continha operações escusas. De lá para cá, houve um incremento significativo da virtualização, motivo pelo qual se faz necessário refletir sobre a segurança dos nossos dados “nas nuvens”.

Apenas para citar uma passagem recente, e de volta à questão das vacinas, minha esposa tomou a primeira dose da AstraZeneca em junho do corrente. Por alguma razão, houve uma falha dupla de registro. Ela não recebeu o cartão de vacina (ou perdeu, embora ela negue esta versão), e tampouco houve o registro no sistema. Daí em diante, ela ficou em um abismo informacional. Não podia tomar a segunda dose, porque não conseguia comprovar que tomou a primeira. Apenas o agendamento, efetuado pela Internet, não foi, e não poderia mesmo, ser considerado como evidência do ato.

Reverter a situação não foi simples, afinal, como provar que um registro virtual não ocorreu? Não havia comprovante de espécie alguma. Nem foto ela tirou, como fizeram alguns dos filhos. Felizmente, contando com a competência e boa vontade do pessoal da tecnologia da informação da Secretaria de Saúde do DF, conseguimos resolver o imbróglio.

Os cuidados com a segurança, antes restritos ao mundo físico, já se estendem há algum tempo para o digital. Colocamos cadeados, muros, alarmes e cópias abstraindo e inspirando-nos no concreto. Cada iniciativa possui algum grau de sucesso. Aparentemente, até agora, os registros distribuídos, usando a tecnologia de blockchain, têm obtido grande êxito. Especialistas afirmam que nunca houve violações nas principais criptomoedas, como é o caso do Bitcoin e do Ethereum, as quais se utilizam desta tecnologia. Talvez seja o caso de utilizá-la para documentos de identidade e outras escriturações oficiais.

Como o virtual imita o real, fiquei tentado em compartilhar os principais fatores que me fazem sentir seguro onde moro. Nos últimos 14 anos, residi em duas casas diferentes, ambas com as mesmas características e nunca sofri um episódio de violência. Localizam-se em ruas fechadas, sem saída, e ao final delas. Quando alguém estranho entra na rua, desde a primeira casa, já começa a receber os latidos dos cachorros dos vizinhos. Quanto mais avança, mais animais entram no coro. Uma verdadeira sinfonia para alertar os moradores do intruso. Não passo nem perto de ser especialista em cibersegurança, mas quem sabe os cachorros da minha rua possam inspirar algum expert no assunto.

*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.

Fonte: capitaldigital

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